sexta-feira, janeiro 18, 2008

E para sobremesa?


Meti o garfo à boca lentamente, fechei os olhos segurei com os dentes a batata frita e ela deixou-se mastigar por mim. Abri os olhos, espalhei mais dois sorrisos, limpei o canto da boca e voltei a acolher o guardanapo de pano no meu colo. Estendi-o bem, não o queria amarrotado. Agarro no copo com delicadeza, molho os lábios só para poder suave e discretamente passar com a minha língua sobre o meu baton novo que me ofereceram e me fica tão bem. A conversa mantem-se amena, ao meu redor as pessoas permanecem civilizadas e agradáveis, multiplicam-se as conversas interessantes, transbordam-se os penteados e os vestidos caros. As pessoas naturalmente olham-se de cima a baixo e deitam-se a divinhar a origem de tanto glamour. Já nasceu comigo diz uma em tom de brincadeira, mas já a demarcar-se do resto da multidão. Outra não menos espirituosa deixa escapar um Que sorte, ninguém diria, generalizando a gargalhada forçada e aumentanto a expectativa e para com os próximos capítulos desta saga no feminino. Nunca a novela estivera tão quente. Ali ninguém deixa partir o verniz, as bocas têm classe, os rostos carregam quilos de base e as cicatrizes escondem os anos que se tentaram atirar para um contentor de uma clínica de estética. As máscaras não caem, ninguém se desmancha, muita coisa está em jogo e para vencedores natos, nada pior que uma derrota pública. Continuamos a consumir aqueles pratos caros que ninguém consegue pronunciar porque o chefe faz questão de os colocar em francês e nós fazemos questão de ir precisamente a estes mesmos sítios. Ninguém dá o braço a torcer, apontamos para a lista e vemos o nosso problema de expressão resolvido num abrir e piscar de olhos e, novamente, sem darmos parte fraca. Os empregados escolhidos a dedo já sabem o que a casa gasta e já foram treinados para nos pouparem a tal tarefa. Olho por cima dos óculos para a dama que se encontra mesmo à minha frente. Nem a minha elevada miopia me impediria de reparar nos olhinhos bonitos que fazia ao rapaz que a servia. Esta gente adora sentir-se superior e entrar nestes jogos de escravidão. Acho que as excita. Este é o papel que gosto de assumir quando sou obrigada a estar com esta gente: observadora. O meu QI não se assemelha ao deles e não consigo fazer de conta que somos todos igualmente burros e básicos, não temos temas em comum, não são pessoas em quem confie ou que me ajudem a ser uma pessoa melhor, logo, não há ali nada mais que possa fazer. Mantenho-me firme e inegavelmente irresistível, mas todos sabem que jamais me tocarão e nem a isso se atrevem. Sou uma personagem estranha que ninguém conhece e que ninguém sabe porque ali continua a ir. A comida que se queria requintada, tem-me um sabor a requentado que me impede de poder tirar o seu melhor partido. Mas nunca o demostro, sou discreta. No final da refeição, depois de entregues os já conhecidos e treinados sorrisos e olhares da ocasião, levanto-me, despeço-me calmamente e propositadamente deixo cair a minha encharpe sobre a minha cadeira. Ainda não tinha atravessado a porta de saída, estava já o empregado engasgado a tentar devolver-me tão delicada peça. Amavelmente agradeço a sua preocupação, mas sem que ele esperasse envolvo-o na minha encharpe e aperto-o contra mim. Sussuro-lhe um boa noite que de imediato o acordou para a vida e faço questão de lhe deixar a marca do meu baton na cara como recordação. O que aconteceu depois não poderei jurar, mas aposto que aterrou de raiva e inveja as criaturas do sexo feminino daquela mesa. Eu? Cheguei a casa, despi-me e deitei-me satisfeita. Tinha a noite ganha. Tinha finalmente o sorriso que desejava.

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