terça-feira, fevereiro 19, 2008

A enxurrada levou o meu trabalho de casa


Ontem entrei numa sala de aula e a professora da turma pediu-me dois minutos para terminar a tarefa que havia começado. Naturalmente de imediato lhe disse que estivesse à vontade e agarrei-me às minhas coisas para pôr em ordem aquilo que tinha para fazer. A professora pedia os trabalhos de casa aos alunos e perante uma aluna que não tinha para entregar desata numa chuva de insultos à crianças. Nestes casos, se eu pudesse, desaparecia. Não gosto de me meter no trabalho dos colegas, ainda para mais com quarenta anos a mais de serviço que eu. Num instante a criança diz tinha a minha prima em casa e não fiz os trabalhos. Pior a emenda que o soneto. Duplicou a carga de porrada psicológica. Baixei o volume, concentrei-me no que eu tinha para fazer e fiquei a conversar com os meus botões enquanto a cena não terminava. Nós temos sempre desculpa para tudo. Poucas são as coisas (ou as pessoas) que assumem que não fazem ou que não querem só porque esta é a sua vontade ou porque não se organizaram como era suposto para dar resposta a todos os desafios que aparecem. Um dos maiores problemas é mesmo a desorganização pessoal e má gestão do tempo. Os pais desculpam-se com os filhos, os filhos com os pais e com os cães que comem o trabalho de casa. As pessoas desculpam-se com a bebida ou com a droga que vicia. Com o mau e com o bom amigo. Com os olhos azuis da rapariga ou com o matulão que piscou o olho. Atiram-se as culpas ao vizinho de baixo ou à publicidade enganosa, à Igreja e a Deus. Todos têm culpa, menos nós, que nascemos à partida ilibados. É uma verdade que muita coisa não depende de nós e que somos vítimas de injustiças, mas nas outras tantas vezes somos nós os responsáveis e só não viramos as costas se não pudermos. A senhora professora até tinha razão: a miúda teve um fim de semana inteiro para fazer face à sua tarefa (Sexta, Sábado e Domingo), perdeu-a pela forma abrutalhada e desordenada com que a chamou a atenção e pelas ofensas pessoais que proferiu. Começamos cedo com desculpas mais ou menos esfarrapadas. Elas surgem na esperança da consequência à nossa falha ser minorada e, quem sabe, perdoada depois de explicarmos o nosso porquê. Aterrei novamente naquela sala de aula quando a professora me diz faça favor, obrigada. Sorri-lhe e agarrei no meu material. Os ombros encolhidos endireitaram-se, levantaram-se os bracitos que queriam participar. Começou a aula.

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