quinta-feira, outubro 18, 2007

Num certo dia


Certo dia, numa certa praia, num certo lugar, numa certa esplanada estava eu certamente a olhar para o horizonte quando reparo que uma certa rapariga não tirava os olhos de cima de mim. Senti-me observado a certa altura e não descansei enquanto não percebia a razão de tal desconforto. Lá estava ela, sentada, sozinha, sempre fixa no meu olhar, na forma como estava. Incomoda-me saber que alguém reparou em mim. Discretamente olhei à minha volta na esperança de encontrar um modelo humano de cortar a respiração, alguém que merecesse tal admiração, mas não encontrei. Aquele olhar era mesmo meu. Naturalmente desviei o olhar e fixei-me na fantástica paisagem que tinha à minha frente: o mar, a areia, o sol que me encadeava, as pessoas que partilhavam a mesma vista que eu, umas sentadas, outras passeavam-se à beira mar. Não conseguia tirar da ideia o facto de ter uma pessoa que me observava. Eu que estava tão sossegado a organizar a minha vida, a estabelecer as minhas prioridades, os próximos passos que darei, tinha agora o meu pensamente invadido por uma estranha qualquer que se estava a intrometer na minha paz interior, sem que eu lhe tivesse dado ordem para tal. Achei uma invasão de privacidade. Volto a procurá-la com o olhar e ela continua firme na sua missão. Leva à boa o copo de sumo que tem à sua frente, agarra a palhinha com os dentes e faz questão que eu assista ao espectáculo de borla. Refresca-se e pousa o copo com cuidado. Sorri-me. Mantenho a minha cara séria, de quem não está a aprovar nem um bocadinho aquele tipo de comportamento e volto-me com frieza sem lhe dar qualquer tipo de confiança. Estava-me a irritar aquela mulher, mas a verdade é que não parava de pensar que ela continuava ali. Fechei os olhos e concentrei-me no calor que sentia na minha cara, fruto do sol quente que me abraçava ternamente. Neste momento vem-me à cabeça a imagem daquela mulher nua. Assustei-me com este pensamento, abri os olhos perturbado e olho-a novamente. Continuava a tentar-me, ela sabia que conseguiria o que queria. Detesto esta certeza que as mulheres têm: a certeza da nossa fraqueza, a certeza de que farão de nós o que quiserem, desde que o saibam fazer. Se pudesse mudava esta minha natureza fraca, humana. Se pudesse firmava a minha posição e ignorava o facto dela existir, mas não consigo. Diz o ditado que se não os podes vencer, junta-te a eles. Já me sentia envolto naquela situação que não queria e, de cada vez que pestanejava, já a encontrava com menos uma peça de roupa. Eu já pestanejava compulsivamente só para a encontrar novamente mais nua, mais despita, mais irresistível. Isto era só o princípio de algo que se viria a revelar muito interessante. O tempo passou e eu nem dei conta. Abandonei o projecto de organizar a minha vida, para me entregar à fantasia de uma estranha que me penetrou sem ordem, violou o meu pensamento e me conduziu a espaços inacreditáveis onde tudo é possível, sem pudor. Fui interrompido pelo telefonema que me lembrou um compromisso para o qual já estava atrasado. Desculpa, vou já, atrasei-me. Chamei o empregado, paguei o café e o bolo que tinha pedido. Passei por ela, parei à sua frente e sorri-lhe pela primeira vez. Ela retribuiu o sorriso. Percebi que vivemos um momento inesquecível sem que sequer nos tivéssemos tocado, sem termos trocado uma única palavra. Com o olhar agradeci-lhe o momento. Levei-a comigo. Foi dentro da minha cabeça, foi na recordação de uma tarde bem passada, numa certa esplanada, num certo lugar, numa certa praia, num certo dia em que eu certamente olhava para o horizonte.

Sem comentários: