quinta-feira, outubro 11, 2007


- Está? Ah, olá, és tu? Ena que bom ouvir-te, mas olha, agora não, desculpa, mais tarde talvez. Liga-me ou talvez não porque posso estar entretanto ocupado ou espera que eu te ligue ou talvez não porque posso-me esquecer. Sabes como é, não tenho tempo, não posso, não garanto, não prometo. Não esperes, não contes com nada, combinado? É preferível assim. Sabes como é, não tenho tempo, não tenho tempo, NÃO TENHO TEMPO.

Vá, fica assim alinhavado ou em águas de bacalhau se achares que é mais correcto, mais próximo da realidade. Não fica nada definitivo porque isso é pedir uma coisa que eu não posso dar, não tenho para dar e isto somente devido ao facto de eu não ter mesmo tempo. Não tenho, não posso, não aguento e não suporto. É inconcebível, sobrehumano, sobrenatural e, quase me atreveria a dizer, contranatura. E já percebeste o porquê, não é? Não tenho mesmo tempo, eu quase não como, não durmo, não sonho, não respiro. E se isto me acontece a mim, fará a contigo, não é verdade?

Esta é a conversa frontal possível entre dois indivíduos adultos, educados e com dois palmos de testa. Como assim somos tudo isto e muito mais é-nos permitido. É o rumo que a vida leva: não há tempo, ele escasseia, ele desaparece, ele esvaneia-se, some-se, consome-se, dissipa-se, dilui-se, absorve-se. Muitas vezes até mal se investe, mal se gere, mal se distribui. Mas este não é o meu caso como bem o sabes, como bem me conheces, seria incapaz de uma barbaridade destas, tenho-o contado ao milímetro e não cabe nem mais um minuto de atenção, de abstracção, de divagação, de realização. Desconheço o que seja isso da boa vida. Isso é só para alguns, não é para mim que vou sobrevivendo e esbarrando contra becos e esquinas porque me concentro no meu umbigo e não vejo o que tenho à minha frente. Por isso não tenho tempo, não tenho tempo, não tenho tempo. Olha, tenho um conselho amigo e já sábio, sim porque nestas correrias tenho aprendido muito com a minha falta de tempo, não queiras, não esperes, não desejes, não antecipes, não sonhes porque tudo sairá ao contrário daquilo que imaginaste. Já viste, na minha falta de tempo ainda tenho espaço para te dar bons conselhos, daqueles que nem se deviam dar, deviam era mesmo ser pagos de tão espertinhos e acertados que são. Vá, ficas-me a dever esta. Tenho de me despachar, não é nada importante pois não? Então, até logo.
- Já acabaste?
-Sim, estou sem tempo, vá despacha-te.
- Então por que te comprometes?

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