quarta-feira, junho 11, 2008

Habitual sonho invulgar

Uma menina bonita deita-se e dorme. Não adormece na esperança de ser acordada pelo seu princípe, sabe que ele existe e já o encontrou. Adormece sim na esperança de sonhar com ele e de, assim, prolongar por mais um pouco a sua presença na sua vida. Dia e noite consigo, acordada ou adormecida. Entra no sono profundo, começa a cabeça a trabalhar o sonho que se queria doce e terno. Não precisava de grandes floreados, a companhia estava escolhida, o local era pormenor. Assim começou o seu sonho, a caminho de quem mais desejava. Entra no carro e inicia viagem. No rádio ouvia o relato do jogo de Portugal e lá mandava umas buzinadelas para festejar os golos que se seguiam. A estrada pouca gente tinha, camiões então, nem vê-los. Repara que o combustível que tem talvez não chegue para a levar ao destino desejado, procura um posto de abastecimento. Para seu espanto a fila de quase mil quilómetros trazia-lhe a triste nova de não chegar para a sua vez. Mas nada impede uma mulher apaixonada. Aproxima-se de uma, de outra e mais outra e nenhuma a conseguia abastecer. Daí à reserva foi um instante. O rádio mudara depressa de assunto e relatava a fome que já se fazia sentir devido à escassez de alimentos com a paralização. Decide desligar o rádio para não se deixar influenciar por notícias pessimistas. Pega no telemovel para dizer ao seu mais-que-tudo que está atrasada, mas, como disse anteriormente, nada impede uma mulher apaixonada. A meio da chamada o telefone acusa falta de bateria e desliga-se. Estava agora também incontactável. Entre voltas e mais voltas vê-se efectivamente sem combustível, longe de tudo e sem telefone, mas cheia de moral. Os táxis passam a velocidades estonteantes e apinhados de gente. "Há dias com ligeiras complicações" pensou para si. Suspirou e decidiu levantar dinheiro. Não podia pedir ajuda sem dinheiro. Abre a carteira e descobre que está repleta de notas. Afinal nem tudo corre mal. Já não se lembrava que tinha emprestado dinheiro a uma amiga que lho dera há pouco tempo de volta. Decide pedir ajuda às pessoas que encontra. Uma boleia, um pouco de combustível, qualquer coisa que lhe devolvesse a possibilidade de concretizar o seu sonho feliz. Um homem gentilmente entrega-lhe um garrafão de gasolina a troco do preço justo que pagou por ela. A menina bonita não cabe em si de contente. Leva-o a correr até ao carro. Para seu espanto encontra-o vandalizado. Esquecera-se do radio lá e os larápios não contiveram a tentação de o levar. Nada detinha a nossa princesa. "O meu amor, espera por mim". Metade por fora, metade dentro, lá safou um ou dois litros que lhe permitiam, pelo menos, chegar ao destino. Limpou os vidros do banco e compôs os rasgões nos estofos e meteu-se a caminho sempre convicta que há males que vêm por bem. Chegou com cinco minutos de atraso. É uma mulher por norma prevenida e para além de quatro rodas suplentes, saía sempre com uma hora de antecedência, para dar sempre espaço a emprevistos. Lembrou-se entretanto da bateria extra que guarda na sua mala. "Cabeça tonta a minha". Os minutos foram-se multiplicando no local combinado. De minutos a quartos de hora, a meias horas a horas completas. Decide trocar a bateria e telefonar. Ninguém atende. Acorda aflita e cansada, sente que pouco ou nada descansou nesta noite. Tem consigo uma sensação estranha. Olha para o telemovel e tem uma mensagem do seu rapaz. "Bom dia menina bonita, ligaste-me?"

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