quarta-feira, novembro 14, 2007

Gajas há muitas


- Olá, bom dia! Bem disposto?
- Sim, sempre. Quer dizer... Nem por isso - percebi que não estava bem.
- Então? Algum problema?
- Não, nada que não se resolva. A minha namorada, com quem estava há três anos e meio, traiu-me.
- Epa, que chatice. - não sabia o que dizer, sentia que nada havia a dizer, nestes momentos acho que o próprio nem deseja que nada seja acrescentado. Ele quer somente desabafar o que o atormenta, largar a dor que trás.
- Acreditava que tinha a minha vida encaminhada, os planos para o futuro eram mais que muitos, a partilha da vida era já uma realidade. Tudo em vão, para acabar assim. Mas não lhe guardo qualquer rancor, é ela quem fica a perder, ela sabe disso, as suas lágrimas são só o resultado do remorso que sente pelo tudo que pôs a perder por umas horas de prazer.
- Compreendo-te bem, sabes que tenho como mote na minha vida que importa sempre a nossa consciência, nada mais, porque é com ela que teremos de viver para sempre.
- Sim, concordo. Fiz tudo o que podia, dava-lhe tudo, planeava pelo Natal oferecer-lhe o carro que ela tanto desejava ter, estava a poupar para lhe fazer essa surpresa. É estúpido não olhar para mim agora como um palhaço. Outra beneficiará do que tenho, da pessoa que sou.
- Pela forma como falas suponho que tenhas terminado a relação.
- Sim, claro. Não podia continuar com uma pessoa em quem não confio minimamente. Participei numa competição no estrangeiro e nessa temporada em que estive fora ela envolveu-se com outro homem. Na altura estranhei o seu comportamento incómodo, estranhei-a como pessoa, não te sei explicar, essas coisas sentem-se.
- Claro, entendo.
- Ela acabou por não suportar a pressão e contou-me o que se tinha passado. Estou bem e estou mal ao mesmo tempo, sinto-me esquisito.
- A tua vida mudou: mudou a tua rotina, mudaram os teus hábitos. Aquela peça certa e presente na tua vida desapareceu e com ela vai uma boa parte da tua vida, tens de te readaptar ao facto de agora estares sozinho.
- Sim, é isso mesmo. É essa a falta que sinto. Sempre soube pôr as pessoas nos seus devidos lugares, nunca dei confianças às mulheres que se aproximavam por muito irresistíveis que fossem, os meus princípios estavam e estarão sempre acima de tudo e eu acreditava que a pessoa que tinha comigo estava comigo nesta verdade. Doi-me isso. Eu sei que fraquezas, falhas todos temos e cometemos, mas não posso deixar passar uma coisa destas sob pena de pôr em causa a minha vida toda, a minha felicidade. É porque não era ela a pessoa certa para mim ou até era, não sei, nem nunca o saberei porque aquele é um capítulo terminado na minha vida. Sempre fui um livro aberto, ela tinha acesso a tudo o que era meu, sem segredos, nem tabús. Não imagino uma vida a dois com meias coisas: ou é tudo ou não é nada e ela tinha tudo meu. Dei-lhe um cartão multibanco da minha conta, ela era quem andava com o meu carro, dei-lhe uma cópia da chave da minha casa, no fim desabarmos como casal por um capricho dela. Não há nada na minha casa que não tenha sido escolhido pelos dois, prevalecendo sempre a opinião dela sobre a minha, seria também um dia a sua casa e queria que ela estivesse feliz, que sentisse que aquele espaço era tão seu quanto meu. Nada era meu, tudo era nosso. Pergunto-me se terá valido a pena.
- Entendo-te e, se me permites digo-te, valeu a pena, muito a pena, na medida em que o fazias porque amavas e nada que seja feito de amor sincero perde valor, pelo menos para o próprio, por muito mal que ele se sinta. Perde quem não valorizou o que fizeste.
- Não me assusta pensar namorar outra pessoa, só me assusta pensar e quem? Gajas há por aí com fartura, fúteis, plásticas, exuberantes. Quilos de tinta, horas de cabeleireiro, para fazerem realçar as únicas qualidades que têm. Ocas de cabeça, deslumbrantes à vista. Sabem que só nos conquistarão pelo aspecto e nisso são mestras. Não quero ninguém assim para mim, prefiro estar sozinho a deixar-me iludir por aquilo. Quero uma mulher a sério, alguém que assuma um compromisso, que me respeite e se dê ao respeito. Alguém com objectivos, metas, ambições, valores. No fundo procuro uma igual, particular na sua diferença, é certo, mas uma igual naquilo que deve de ser. Julgava tê-la encontrado. Nunca conhecemos verdadeiramente ninguém, nunca saberemos do que elas serão realmente capazes de fazer, sobre que pretextos, que razões, com que interesses. Sei que não é missão fácil, resta-me esperar.
- E vais conseguir.

Andei o dia todo a remoer cada palavra que trocámos, cada expressão do seu olhar, cada gesto. É das pessoas mais transparentes que conheço, custou-me, como acho que custa sempre um episódio destes.

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