quinta-feira, março 15, 2007

Rituais

Não dispenso o meu café depois de almoço. É o único que tomo. Comecei aos dezoito anos esta práctica, mas hoje é claramente muito mais do que isso.

É, provavelmente, o meu momento preferido. A seguir à refeição, aqueles minutos de pausa à volta de uma mesa (se estiver acompanhada de dois dedos de conversa e meia dúzia de sorrisos, melhor) fazem as delícias do meu dia. É enorme o prazer que sinto, a calma que me é transmitida.
Diz o ditado que de médicos e de loucos todos temos um pouco eu, de médica estou certa que nada terei, fico-me exclusivamente pela parte da loucura.
- É um café cheio, por favor.
Tiro o pacote do açúcar, analiso a embalagem e lembro-me de um grande amigo que é coleccionador. Se for digno de uma colecção penso logo:
- Deixa-me rasgar isto com jeitinho.
Lá danifico o pacote o menos possível. Ao de leve, verto o açúcar para a chávena e derreto-me a vê-lo cair naquela espuma. Brinco com o pacote, sacudindo-o ora para um lado, ora para outro, para o ir espalhando e aprecio como este se deixa envolver, enterrar, até se entregar completamente ao café a que estava destinado. Ele cai sob uma cama tão macia e aveludada até que se deixa desaparecer, consumir na totalidade. E aquele a quem se entregou não voltou a ser o mesmo. Ganhou sabor, doçura. Provavelmente nunca terá noção da grandeza daquele acto de despojamento total, mas isso também não lhe importa. Foi criado com este objectivo e aceita o seu destino sem manifestar grande hesitação.
Depois de apreciar este episódio, cuidadosamente mexo o meu café e preparo-me para o tomar. Aquela união perfeita em breve fará parte de mim e acompanhar-me-á na minha rotina. Bebo o meu café e parto feliz. Como é que uma coisa tão pequena pode fazer tanta diferença. O simples facto de isto deixar de fazer parte do meu dia, já é motivo para me sentir incompleta.

1 comentário:

Anónimo disse...

Lindo :D
(Ritinha)